Sábado, dia 9 de Julho de 2016, algo mágico começou para um grupo de 12 pessoas que cheios de vontade e em comunidade embarcaram para dar cara a uma semana de ajuda e partilha na magnifica ilha de São Tomé. Para mim, este foi, sem dúvida, um momento marcante, pois era o início de algo desconhecido, mas que eu sabia que nunca poderia correr mal ou não me encher o coração. E assim foi, 12 pessoas foram à conquista do que S. Tomé e Príncipe tinha para lhes oferecer.
Esta viagem era muito importante, pois fazer voluntariado sempre foi uma coisa que esteve presente na minha vida desde pequena, sempre participei nas campanhas do Banco Alimentar desde os 6 anos, faço Missão País há dois anos e duas vezes por mês eu e o meu grupo de escuteiros vamos entregar comida aos sem-abrigo pela zona da Baixa.
Todavia, até então nunca tinha saído da minha zona de conforto e ir mais além, por isso a missão em São Tomé representava um novo desafio, para o qual eu não sabia se estava ou não preparada, pois os contrastes que me esperavam eram muitos e não tinha a segurança de o estar a fazer com amigos/conhecidos de há muito tempo.
O projeto que me foi proposto realizar era através de representação, pequenos jogos e cenas teatrais, onde eu e mais 3 jovens, sendo guiados por uma atriz profissional, conseguirmos transmitir às crianças de cada roça os seus direitos e o que devem fazer caso as privassem deles. Todo o seguimento da nossa apresentação já o levávamos preparado de Portugal, mas o desconhecido era comum aos 5, por isso era impossível prever qualquer imprevisto e saber como o solucionar previamente.
Todos os dias íamos a duas diferentes roças e todas elas, apesar de umas em situações mais precárias que outras nos recebiam cheias de sorrisos e boa disposição (eram como 100 crianças por cada escola). Em alguns sítios sentia-se que as crianças estavam mais habituadas a receber visitas, quer da própria comunidade são-tomense quer de turistas, e por isso notava-se que eram muito mais abertas e estavam mais disponíveis para nos ouvir e brincar connosco; porém, na maioria das roças apesar da satisfação e boa disposição com que nos recebiam, era sempre mais difícil estabelecer o contacto com as crianças, fazê-las interagir nas apresentações e fazê-las querer brincar connosco, uma vez que, para muitas nós estarmos lá a visitá-las e a fazer-lhes uma apresentação era algo novo e isso levava-as a não confiarem tanto em nós à primeira vista. Para meu agrado, nem esta distância inicial me conseguiu afastar muito, pois depois de todas as apresentações felizmente conseguia falar um pouco com algumas, ganhar a sua confiança e deste modo alinhar em todas as brincadeiras delas. E eram nestes poucos minutos de brincadeira que sentia mais a minha missão naquele sítio.
Dia após dia, a resistência que tinha à pobreza e à desigualdade que via, ia crescendo e a minha análise passava por não pôr mais estes dois fatores num plano principal na minha cabeça quando pensava naquelas crianças, mas sim pô-las a elas e somente a elas como primeiro plano e perceber o quão incrível elas eram por com tão pouco conseguirem ter a força e sabedoria que tinham para enfrentar as oportunidades que lhes apareciam.
Conheci raparigas e rapazes dos 4 aos 18 anos. Os mais velhos impressionavam-se quando dizia que tinha 19 anos, pois era pouco mais velha que eles, mas aos seus olhos parecia uma senhora, talvez por estar ali num papel de “oradora” a “ensinar-lhes” coisas. A maioria parecia perdida sobre o seu futuro, poucos tinham possibilidades de ir estudar para a capital, muitos já trabalhavam e outros tantos a responsabilidade que tinham era de cuidar dos irmãos e de si mesmos; resumindo: muito poucos sonhavam e muito poucos pensavam ser possível ter uma vida diferente da que os seus pais ou amigos tivera. E acho que aqui conseguimos marcar um pouco a diferença, ao falar com eles e mostrar que nem tudo tem de ser branco ou preto nas suas vidas, e que muitas vezes as oportunidades vão surgir do inesperado e também chamar à atenção para o trabalho cada vez mais frequente de muitas organizações e instituições neste tipo de localidades que promove muito o seu desenvolvimento.
Por outro lado, os mais novos queriam muito mais despertar o meu lado brincalhão e, por um lado, maternal também. Todos me pediam para tocar no meu cabelo pois ficavam surpreendidos com os meus cabelos “dourados” (segundo eles), mas penso que este passo era o nosso “quebra-gelo”, uma vez que depois de o fazerem sentiam que eu estava aberta a tudo o que eles quisessem pedir, e assim vinham os abraços, as brincadeiras, os torneios de futebol, as musicas e muito mais. Com estas idades, e sendo a diferença etária maior, sentia muito mais que o meu papel ali passava muito por transmitir segurança e carinho, já que para eles naqueles minutos em que lá estávamos, nós erramos uma referência e por isso agir da maneira mais correta, mas ao mesmo tempo brincalhona era o ideal para eles perceberem que não há limites para a imaginação e que muito menos há diferenças que nos poderiam separar.
Para além de tudo isto, uma componente que tornou esta experiência tão forte, foi o grupo de pessoas que me acompanharam nela. De facto, é curioso pensar como um grupo de pessoas tão distintas, quer em ideologias quer em idades pôde unir-se da maneira como o fez e proporcionar a cada um dos participantes um conforto e segurança de como se estivéssemos em família, e esta diversidade sim tornou esta missão possível.
Por fim, o sentimento de missão quase cumprida ficou, seguramente, presente em todos nós. Quase e não totalmente, pois há muito mais a ser feito naquelas populações, que em apenas uma semana é impossível. Todavia, isto para mim foi o início, mas para a Meninos do Mundo foi uma continuação, e esse sentimento de pertença naquele projeto já está intrínseco em todos nós juntamente com o dever (futuro) de missão.